O Presidente da Assembleia Municipal do Marco de Canaveses, António Coutinho, nas comemorações do 38º aniversário do 25 de Abril, proferiu o seguinte discurso
Uma das grandes vitórias de ’74 foi a consagração em sede constitucional de um conjunto normativo, com fundamento ético, comummente designado por Direitos, Liberdades e Garantias.
Abrangendo princípios tão diversos como o direito à vida e a liberdade de criação cultural, os artigos constitucionais incluídos neste capítulo congregam os fundamentos de uma sociedade de direito democrático na qual todos, sem excepção, temos o direito de viver.
Por outro lado e considerando que nenhum direito existe sem o contraponto de um dever, creio que será pertinente afirmar que também nos compete a todos defender estes princípios e tê-los sempre em mente na nossa ação quotidiana.
Estes direitos, liberdades e garantias por que tantos concidadãos lutaram estão hoje de alguma forma a ser postos em questão, particularmente no que se refere aos direitos sociais e económicos. Num contexto de substancial contracção, assistimos a uma degradação progressiva, mas bastante rápida, das condições de trabalho da nossa força laboral e da envolvente de gestão das nossas empresas.
A atitude mais fácil seria a de invocar a intervenção da Troika, fazendo residir na política preconizada por esta última a essência de todos os males. Creio, contudo, que um verdadeiro exame de consciência nos levará a concluir pela assunção de vastas responsabilidades próprias na situação actual.
Estas responsabilidades derivam essencialmente, no meu entender, da nossa manifesta incapacidade de compreendermos a mudança e os benefícios que esta traria, tivéssemos nós tido a sensatez de a olhar de frente e de a implementar.
Senão vejamos: não fomos capazes de olhar para o exemplo de sociedades economicamente mais desenvolvidas e de replicar os seus modelos económico-sociais, de forma a aproveitar a lição já testada por outros – deixamo-nos embalar pela ânsia de tudo conquistar, sem consolidar verdadeiramente nenhuma estratégia, sem solidificar o crescimento em bases sólidas e sem repercutir as boas práticas no nosso dia a dia.
Há um outro lado, porém, para esta questão e esse é o lado político. Mais uma vez, olhando à volta desta nobre sala, creio que poderemos também assumir a nossa quota parte de responsabilidade. Não se trata aqui de alocar culpas ao partido A ou ao partido B, não importa agora quem era governo ou quem era oposição. A única coisa que é relevante é aprender com os erros e não esquecer as lições da história recente.
Afinal, todos tínhamos o direito de exercer a nossa participação política, enquanto eleitores e eleitos e tratava-se de exercer também o nosso dever de responsabilidade política – de intervir activamente na construção de um tecido socioeconómico consistente e mais resistente à crise do que se tem vindo a revelar.
Esta assunção de responsabilidade é um passo importante na manutenção da boa ordem social que até ao momento nos tem agraciado. E a minha maior preocupação é com este aspecto em particular – como vamos manter um tecido social coeso e controlar o crescente desânimo de forma a não arriscarmos uma situação explosiva.
Sempre fomos um povo de brandos costumes e mesmo na nossa Revolução mantivemos uma postura da qual nos devemos orgulhar profundamente.
No entanto, nos idos de Abril os Portugueses nem saberiam ser de outra forma: a ditadura que nos tinha subjugado durante as décadas precedentes teve um impacto radical na destituição da vontade do cidadão comum.
Portanto, quando chegou o momento, fomos capazes de fazer a revolução e de a fazer com dignidade e honra, mas muito condicionados pelo que nos tinham feito ser.
Hoje, a realidade é extraordinariamente diferente. Todos nos habituámos – e ainda bem! – a sermos livres, a pensarmos por nós próprios e a ser exigentes com o acesso a um mundo melhor.
Num contexto em que a situação económica se exacerba, contudo, vai ser difícil prevenir o agravamento do descontentamento. E as circunstâncias parecem indicar que temos de agir se queremos impedir que tal aconteça.
O aumento da taxa de desemprego é um primeiro dado que traduz a contracção no rendimento disponível das famílias., sendo que as restrições na atribuição de subsídios e apoios também contribuem para esta redução – não estando aqui em questão a racionalidade de tais medidas.
O desemprego crescente não deverá contudo ser interpretado sozinho.
A questão da fragilidade das empresas nacionais tem de ser chamada à colação se vamos abordar a totalidade do problema: a dificuldade de acesso ao crédito bancário, o agravamento substantivo dos impostos sobre o consumo, a falta de flexibilidade da legislação laboral, e o envelhecimento da mão-de-obra acompanhado da falta de qualificação de uma percentagem substantiva da mesma são alguns dos constrangimentos que o empreendedor nacional terá de saber ultrapassar para sobreviver à crise e às medidas da Troika.
E sobre este problema da qualificação permitam-me reflectir com V/ Exas. sobre a nova vaga da emigração nacional. A sangria sofrida nos Anos 60 do século passado teve um contexto muito diverso do de hoje, mas é curioso constatarmos que, mais uma vez na nossa História, é o movimento migratório que surge com muita força nas perspectivas das gerações mais jovens.
E se é louvável que os Jovens queiram ir e conhecer e ganhar o seu lugar ao Sol, não deixa de ser algo triste que o façam em parte pelos motivos errados.
Se fossem porque se sentem Europeus, porque querem uma experiência internacional, até se fossem porque podiam abancar um pé de meia num instantinho, enfim, nada de mais.
Mas não, não é essa a realidade: vão porque em Portugal não têm trabalho, vão porque é a única hipótese de o seu agregado familiar ter um rendimento e isto de voltarmos às remessas dos emigrantes não é algo a que queiramos regressar!
Se só por si esta realidade é negativa, quando pensamos nas consequências que acarreta para o nosso futuro, então devemos ficar seriamente preocupados: os novos emigrantes têm um nível de qualificação escolar, técnica e científica que nos deixa privados dos melhores por cá.
Como podemos enfrentar qualquer desafio se as nossas forças se encontram dispersas?
Como podem as nossas empresas contratar os melhores, se os melhores saíram antes de estas terem a oportunidade de recuperarem desta conjuntura negativa?
Deixem-me falar-vos um pouco dos nossos Jovens, dos do nosso Concelho.
Ainda ontem conduzimos mais uma Assembleia Municipal de Jovens e assistimos à capacidade interventiva dos estudantes marcoenses que nela participaram. Os temas foram escolhidos por eles, as moções eram diversas e muito reflectidas e acima de tudo, demonstraram que o típico egoísmo da juventude afinal não é assim tão típico.
Os nossos Jovens estão preocupados: com o seu próprio futuro, sem dúvida, mas não só: estão preocupados com a degradação da rede social de apoio tradicional, da família enquanto célula basilar da sociedade e estão muito preocupados mesmo com os Idosos.
Para mim, confesso, houve alguma surpresa: não estava à espera que a forma como tratamos da população mais velha fosse objecto de tanta reflexão pelas escolas concelhias. E mais do que reflectir por puro exercício intelectual, os estudantes têm propostas, têm estratégias para pôr em prática e querem envolver-se e ajudar a resolver.
Não poderíamos exigir mais deles, já quem nem sempre fazemos tanto assim, certo?
E lançaria talvez esse repto aos presentes com capacidade de intervir e decidir: vamos tomar as rédeas desta situação e dar uma oportunidade a estas duas forças do Concelho – os nossos Jovens e os nossos Idosos – de terem uma participação mais activa na vida de todos e de exercerem também eles, os seus direitos, liberdades e garantias consagradas em Abril!
Afinal, os Portugueses são um povo sólido e com provas dadas na resistência à adversidade: foram tantos os momentos no nosso percurso histórico em que os desafios pareciam insuperáveis e contudo, aqui estamos: com todo o engenho para procurar soluções e com toda a força para as implementar.
Só assim exerceremos plenamente os nossos direitos e os nossos deveres.
É este exercício a mais importante conquista de Abril – possamos não precisar de reivindicar direitos, pois estes nos são reconhecidos e ser fiéis aos nossos deveres – só assim haverá verdadeira liberdade.
E com esta magna palavra devo terminar, citando Bernard Shaw: “A Democracia é o sistema que garante sermos tão bem governados como merecemos”.
Bem hajam.
Viva Marco de Canaveses
Viva Portugal