Quando se inicia o dia maior da visita do Papa Bento XVI a Portugal, partilho com os leitores um texto alusivo a essa visita publicado na edição desta semana do jornal "Repórter do Marão":
"A deslocação ao nosso país do Papa Bento XVI durante a corrente semana não deixa ninguém indiferente, independentemente da fé e do credo religioso de cada um. Bento XVI lidera uma das religiões com mais fiéis em todo o mundo e isso basta para que as palavras que proferir tenham repercussão à escala global.
Fui educado nos princípios da fé católica, mas o tempo decorrido e as leituras e reflexões que a vida nos proporciona fizeram com que o meu espírito racional conviva menos bem com os dogmas da religião. Ainda assim, não é difícil compreender o papel fulcral que a Igreja teve ao longo dos séculos no nosso país e a acção meritória que continua a desempenhar, designadamente na área social.
A visita de Bento XVI deve ser uma oportunidade para a sociedade em geral reflectir sobre o papel da Igreja e dos seus ministros, num período tão conturbado como aquele que vivemos. A Igreja é uma organização com um longo caminho percorrido, que já enfrentou inúmeras crises, mas que sempre sobreviveu. E assim continuará, mesmo perante os apelos da sociedade consumista do séc. XXI, a manifesta crise de vocações, as questões do celibato e da ordenação das mulheres e os escândalos da pedofilia e dos dinheiros do Vaticano.
Contudo, creio que a Igreja não pode fechar-se sobre si e pensar que o ruído que a rodeia não a importunará. A sociedade dos nossos dias está habituada a tudo questionar e a levar até ao fim os seus anseios de justiça. E para o cidadão comum os crimes cometidos no interior da Igreja não podem ser encarados de forma mais benevolente.
A forma como muitos responsáveis da Igreja lidaram ao longo dos anos com os crimes de pedofilia, silenciando, ocultando, não expondo os agressores aos cuidados da justiça comum, demonstra uma visão ultrapassada, que hoje não é admissível. A protecção da Igreja não pode ser feita à custa do sacrifício das vítimas indefesas. Bento XVI percebeu isso e não teve pejo em vir a público pedir desculpas às vítimas dos crimes de abusos sexuais, assumindo culpas, pedindo perdão e afastando os membros da Igreja que cometeram esses crimes. Fez aquilo que devia, muito embora ainda estejamos longe, a meu ver, de conhecer a verdadeira dimensão dos crimes cometidos.
Joseph Ratzinger tem há muitos anos um papel central na estrutura do Vaticano, nomeadamente à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, produzindo relevante reflexão teológica e filosófica. Académico, estudioso, mais reservado, o Papa Bento XVI tem um perfil substantivamente diferente de João Paulo II, um comunicador por excelência, e essas diferenças marcaram o início do seu pontificado.
A visita a Portugal dar-nos-á a conhecer melhor o líder da Igreja, ligado ao nosso país desde logo por ter auxiliado João Paulo II no processo de revelação do terceiro segredo de Fátima. Espero sobretudo que as suas intervenções levem uma mensagem de humanismo fraterno aos portugueses, num momento em que muitos deles vivem momentos de enorme dificuldade.
As visitas a Lisboa e ao Porto congregarão por certo muitos milhares de pessoas, mas será em Fátima que a visita de Bento XVI conhecerá o seu ponto alto. Fátima que é precisamente um eixo central da Igreja Católica em Portugal, pese embora o distanciamento com que muitos dos altos dignitários da Igreja olham para esse “fenómeno”.
Por mim, confesso que, mais do que enaltecer Fátima, prefiro sublinhar a acção levada a cabo todos os dias pelas estruturas mais modestas da Igreja no apoio aos cidadãos indefesos e desfavorecidos. Não dá para grandes holofotes, mas cumpre um dos desígnios mais nobres da Igreja."