Releio 'O Último Verão na Ria Formosa', primeiro romance de José António Saraiva ('Dom Quixote') e, na pág. 45, fixo-me na narrativa:
«Jacinto desembarca no Terreiro do Paço e toma o caminho do Cais do Sodré, a pé, pela Rua do Arsenal (...) Nas paredes vêem-se cartazes rasgados presos pelas pontas e com a tinta comida pelo sol onde Marcello Caetano sorri e se lê uma única frase: "Renovação na Continuidade". Jacinto de Jesus pensa que aquela frase tão curta contém uma contradição. Renovação quer dizer mudança, continuidade quer dizer conservação. Marcello Caetano afirma que está disposto a renovar - para satisfazer aqueles que querem alterações no regime - mas ao mesmo tempo diz que deseja a continuidade - para contentar os que querem que nada mude. «Renovação na Continuidade». Mudança e estagnação ao mesmo tempo. Jacinto percebe que Marcello Caetano está numa encruzilhada e será muito difícil sair dela. Até porque no rosto do Presidente do Conselho o médico descobre uma hesitação, uma falta de convicção, um sorriso equívoco, talvez uma fraqueza de vontade. Este homem não sabe bem o que quer, pensa Jacinto, ou talvez saiba o que quer mas pense que nunca o poderá fazer porque não terá força para isso. E se tivesse não o deixariam (...)».
Lido o excerto, vim aqui para dizer que há nesta reflexão qualquer coisa que me sugere a "Mudança Tranquila" de Manuel Moreira nas eleições de 2005. O tempo dirá se a sorte de Moreira é a mesma de Marcelo.